terça-feira, 5 de julho de 2011

Experiências religiosas no ciberespaço

A mídia e o acesso às novas tecnologias têm marcado as mudanças culturais da contemporaneidade. O fenômeno observável a partir da segunda metade do século XX, revela que ao tornar-se midiatizada, a sociedade transferiu, especialmente para o ciberespaço todos os seus anseios, tanto materiais quanto espirituais. A relação do indivíduo com o mundo se dá, cada vez mais, através da interação com os meios de comunicação. E as experiências religiosas não ficam à margem dessa nova configuração social.
Desde o início da difusão do rádio e da televisão, no século passado, mídia e religião travam uma relação intensa. Há uma reconfiguração também no campo da religião, que apropria-se do espaço midiático para a propagação da doutrina e dos seus valores.
Bertocchi (2006) e Canavilhas (2001) apontam que por se tratar de uma mídia nova é aceitável que o processo de adaptação do jornalismo aos meios digitais tenha sido inicialmente uma transposição das técnicas utilizadas no jornalismo impresso. Com o passar dos anos e com a contribuição de vários teóricos, foi se desenvolvendo uma forma mais apropriada de se utilizar os meios digitais.

Vinho novo em odres novos

A tentativa de narrar experiências da vida real é o fundamento do fazer jornalístico. Esta narrativa baseia-se numa linguagem que precisa ser adequada ao meio utilizado. No caso da internet, ainda há uma busca por uma linguagem que integre as ferramentas que a internet pode agregar. Para Mielniczuk (2008) permanece a resistência na produção de um material adequado para a web, predominando a lógica do impresso.
Bertocchi (2006) aponta como características essenciais na produção ciberjornalística a hipertextualidade, a multimidialidade e a interatividade. Palácios (2003), além dessas características, também considera como elementos fundamentais a memória e a personalização. Essas características são potencialidades a serem exploradas na produção jornalística para a web. Entende-se por hipertextualidade a possibilidade de construir um texto no qual ele se interconecta com outros textos, formando nós através do uso dos links. Com isso, o usuário pode realizar uma leitura não linear, ou multilinear como aponta Palácios (1999).
Multimidialidade ou convergência é uma das grandes promessas da mídia digital, possibilita a integração das mídias tradicionais áudio, vídeo e texto no espaço digital através de plataformas diferenciadas (PALÁCIOS, 2003). A interatividade aproxima o usuário da ferramenta, pela qual, cria-se em diferentes níveis uma participação. Isso se dá através das diferentes formas de leitura ou de canais de participação oferecidos pelos websites, como comentários, troca de e-mails, entre outros.
Pelo viés da interatividade, a personalização do conteúdo é a proposta oferecida por diversos websites, nos quais os usuários podem alterar a apresentação visual ou selecionar os conteúdos que tem mais interesse. Palácios aponta que essa característica “[..] consiste na opção oferecida ao Usuário para configurar os produtos jornalísticos de acordo com os seus interesses individuais” (2003, p.4). O ciberespaço, considerado praticamente infinito, permite o armazenamento do conteúdo disponibilizado na internet constituindo uma memória coletiva (PALÁCIOS, 2003).
Com essas características o webjornalismo configura uma nova relação entre usuário e jornalista. Essa relação mudou, o usuário não é mais apenas o consumidor da notícia produzida pelo jornalista. Através das novas tecnologias a produção de conteúdo é mais democrática e participativa. O jornalista é hoje um intermediário, ponte entre a notícia e o usuário.
Vinho velho em odres novos?

A intensa relação entre religião e mídia abordada no início deste artigo é um tema que vem sendo pouco explorado no campo acadêmico. De acordo com Gomes (2010) o tema carece de um aprofundamento, considerando o crescimento vertiginoso da presença principalmente das Igrejas Cristãs no cenário midiático.
A Igreja Católica é pioneira nos estudos sobre a comunicação e seu discurso varia entre a questão da influência da mídia nos costumes e na vida moral e o incentivo para o seu uso na propagação de sua doutrina. São vários os documentos escritos sobre o uso dos meios de comunicação desde a invenção da imprensa no século XV. Em 1487 é publicado o documento Inter multíplices, no qual o papa Inocêncio VIII dita as regras para o uso dos meios de comunicação impressos. Até o Concílio Vaticano II, realizado entre os anos de 1962 a 1965, a Igreja olhava para a mídia de maneira negativa.
O aprofundamento sobre a evolução do pensamento católico sobre a mídia não é objeto de reflexão deste artigo, porém é importante salientar que a partir do Concílio Vaticano II a Igreja Católica intensificou de maneira significativa o uso da mídia para a evangelização (PUNTEL, 2005).
Gomes (2010) avalia que o uso dos meios de comunicação não é um problema para a Igreja, no sentido de objeto de estudo. O resultado dessa falta de reflexão gera o uso apenas instrumental dessas ferramentas, numa perspectiva de transposição de uma técnica antiga para as novas mídias, ou seja depositar vinho velho em odres novos.
Ao entrar no mundo da mídia, as Igrejas não levam em conta que o processo mudou. Os dispositivos tecnológicos são apenas uma parcela mínima, a ponta do iceberg, de um novo mundo configurado pelo processo de midiatização da sociedade. Estamos vivendo hoje uma mudança epocal, com a criação de um bios midiático que incide profundamente no tecido social. Surge uma nova ecologia comunicacional. É um bios virtual (GOMES, 2010, p.24)
       Essa nova ecologia comunicacional exige da Igreja uma mudança de mentalidade. Em seu estudo, Gomes (2010) traz a tona uma pergunta importante feita pelo pesquisador Stewart Hoover (2002): que religião emerge da mídia? Não será possível responder a este questionamento, mas a indagação leva a percepção da necessidade de uma adaptação aos novos processos comunicativos para que a narrativa das experiências religiosas se dêem de maneira coerente à proposta das mídias digitais.
     Um fenômeno importante para a compreensão do passos dados pela Igreja Católica no uso das tecnologias eletrônicas é o surgimento da Igreja Eletrônica, conceito desenvolvido nos Estados Unidos decorrente do uso intenso dos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão por movimentos cristãos de Igrejas diferentes, pertencentes ao neopentecostalismo, na segunda metade do século passado. “No caso, Igreja Eletrônica é aquela que usa os dispositivos, aparelhos e parafernália eletrônica (recursos eletrônicos) para atingir seus fiéis ou ao público presente, em assembleia ou em seus lares, em substituição à tradicional obrigação da presença física nos templos” (GOMES, 2010, p. 43). A Igreja Católica, de maneira um pouco mais tímida, participou dessa fase através da Renovação Carismática.

Considerações finais
      O avanço das novas tecnologias trouxe para a sociedade atual uma nova configuração das relações. A utilização do ciberespaço permite ao usuário novas conexões com o mundo e particularmente com diversas experiências religiosas. Ao refletir sobre o uso que a Igreja Católica faz das mídias digitais percebe-se a necessidade de uma atualização dos seus conceitos sobre estas ferramentas.
       Como foi dito, a falta de aprofundamento no conhecimento das características que tornam a internet uma ferramenta eficaz torna a sua utilização meramente utilitária, o que deixa de gerar experiências significativas. A pergunta de Hoover continua a ressoar: que religião emerge da mídia? Se não há uma abertura para o novo bios virtual (GOMES, 2010), dificilmente haverá resposta para a pergunta ou talvez ela nem seja feita a quem deveria respondê-la: sacerdotes, religiosos e agentes de pastorais.
        Permanece o conceito revelado pela Igreja Eletrônica do século passado, os meios eletrônicos servem para direcionar os ensinamentos de maneira vertical. O caminho para uma relação dialógica que seja refletida na mídia eletrônica de cunho católico ainda é longo. Exige uma atualização do discurso, uma mudança de mentalidade.
* Patrícia Luz 
 Jornalista e pós-graduanda em Jornalismo e Convergência Midiática